segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O Papel da Mitologia na Vida Contemporânea

O homem em seu trajeto vivencial utiliza-se de instrumentos linguísticos e simbólicos como as metáforas e as parábolas para tanger seu próprio entendimento. A mitologia Grega, em especial, foi palco para expressivos filósofos e teóricos, como Sigmund Freud, na tentativa de substanciar suas descobertas tornando as mais atrativas e plasticamente harmoniosas. 


A mitologia citada em vários textos de Freud (1920) foi utilizada como recurso didático na compreensão dos símbolos em nossa realidade psíquica; assim como a lenda de Édipo empregada a teoria do Complexo de Édipo que retrata a relação tríade entre pai, mãe e filho tão essencial para o entendimento da formação estrutural do aparelho mental e nas construções de padrões comportamentais da personalidade, assim como, o uso dos textos mitológicos na teoria das obsessões e compulsões patológicas e tantos outros temas de ordem psicanalíticos ou filosóficos vinculados aos mitos e lendas milenares.

Tais estórias fazem parte da vida de cada um através de conceitos criados para explicar desde conceitos corriqueiros da vida comum como o narcisismo, por exemplo, até alguns nomes da medicina referentes à anatomia, como o tendão de Aquiles. A mensagem de cada lenda contada evidencia a possibilidade de revelar questões de difícil elaboração mental porque atingem o nosso universo emocional causando dor psíquica ou angústia. Dessa forma, conteúdos de ordem afetiva ou social como; tabus sexuais, orgulho, vaidade, ética, moral e outros vão sendo pouco discutidos ou ignorados nos seios familiares e sociais. A mitologia é um recurso pouco difundido nesses meios que tem o poder de dar leveza ao peso dos assuntos que afligem a alma humana.

Personagens da mitologia Grega como os deuses e deusas dão asas à nossa imaginação e fazem referências aos nossos sentimentos de onipotência, impotência, frustração, rejeição e tantos outros do repertório humano.

A propósito de ilustração cito a lenda do Rei Sísifo na Antiga Grécia. Homem de coração bondoso que amava seu povo sob todas as coisas, porém, de comportamento impulsivo, imediatista, mas humano e sensível com intensidade desajuizada. Mestre da astúcia encontrava soluções para os grandes problemas, mas arranjava outros ainda maiores.

Certa vez faltava lhe água em seu reino por longo período. Foi de encontro ao Rei Esopo, o responsável pelos rios. Este, irado por ter sumido sua filha repentinamente punia o povo da terra com a falta de água. Sísifo, com intenção de restituir a água para seu povo, entrega o deus Zeus, o regente do grande Olimpo, à Esopo como sendo o responsável pelo rapto de sua filha.

Sísifo consegue água em abundância, mas desperta a ira de Zeus que lhe manda Tânatus, o deus da morte para trazê-lo ao Olimpo. Tânatus, vaidoso e egocêntrico, aceita um colar de pérolas preciosas ofertado por Sísifo e ao colocá-lo descobre que se tratava de uma corrente para aprisioná-lo.

Com o deus da morte preso, os seres mortais não poderiam mais morrer. Despertou em Hades, o deus do inferno, raiva e protesto, pois não tinha em seu domínio os pobres mortais. Zeus como deus justo envia o deus da guerra, Marte, para libertar Tânatos e matar o Rei Sísifo.

Sabiamente Sísifo pede à mulher para que não o enterre, pois isso lhe salvaria das mãos de Zeus. Chegando ao Olimpo, o deus Zeus não pôde permanecer com Sísifo para sempre porque seu enterro não havia sido executado, dessa forma não poderia ser considerado como morto para os mortais e sendo um Rei devia lhe o direito a um enterro à altura.

O regente dos deuses, visivelmente contrariado, encontra-se obrigado a devolver Sísifo a Terra. O Rei pega sua esposa e sai pela vida a fora desfrutando das maravilhas terrenas.



De forma magistral, Zeus envia o deus Tempo para acompanhar o Rei astuto pela sua vida a fora. Os anos se passaram e o Rei Sísifo, velho e cansado, foi entregue ao deus Tempo e a morte, pois não havia lhe condições físicas e psíquicas para outras tentativas enganosas. Então ele se vê frente a Zeus.

Sua sentença foi decretada: subir uma montanha íngreme empurrando uma pedra que ao chegar ao seu topo fugiria de seu controle e rolava irremediavelmente para a base da grande montanha. Sísifo se via obrigado a empurrá-la novamente por toda a eternidade.

Finalmente, a lenda de Sísifo nos tem muito a dizer.

As situações diárias são provas constantes que invariavelmente temos que executá-las e para tanto contamos com a nossa capacidade interna para suportar as frustrações e planejarmos soluções viáveis para esses desafios. Muitas pessoas fazem das barreiras verdadeiros degraus para outros obstáculos ainda maiores formando quartéis com muralhas intransponíveis. A ansiedade gera o imediatismo e por conseqüência nos tornamos cada vez mais impulsivos e incapazes de autocontrole sobre as emoções mais arcaicas do eu.

O exemplo da lenda citada é apenas um esboço da importância dos escritos antigos como as mitologias Gregas na vida atual. A sabedoria milenar dos nossos antepassados, juntamente com as estórias mitológicas possibilita o contato com os conteúdos reprimidos da psiquê de forma genuína, deslocada e poética.

Talvez seja por essa razão que os grandes mestres das Ciências Humanas buscaram no imaginário mitológico o real do comportamento humano.

André Luiz de Senna Silva
Psicólogo
CRP- 14/01650-3

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