O
Psicanalista J. Miller (1998) afirma que dormimos para encontrar os nossos
sonhos. Dessa forma, sonhar não é apenas mais um fenômeno da mente humana, mas
uma expressão simbólica para falarmos de nós mesmos.
Mas o que
significa efetivamente o ato de sonhar? Qual a sua utilidade na vida diária?
Será que todas as pessoas sonham? Podemos acreditar nas interpretações
populares sobre o significado dos símbolos oníricos?
É impossível
falar dos sonhos e não referenciar o pai da Psicanálise Sigmund Freud. Em sua
obra “A interpretação dos sonhos” (1933)
teoriza a relação do sonho e o inconsciente. Segundo Freud o sonho é uma expressão
simbólica de conteúdos reprimidos e ou censuráveis de desejo ou de angústia
derivados do inconsciente. O sonho nesse contexto revela componentes emocionais
reprimidos e que são condensados ou modificados quando deslocados à
consciência.
Vamos simplificar para facilitar o entendimento. Quando sonhamos estamos
abrindo a porta da nossa censura (processo que barra conteúdos inconscientes
para o consciente), que durante o dia permanece trancada, possibilitando o
acesso à consciência. Tais conteúdos passam a ter uma linguagem própria e podem
ser dignos de interpretações à medida que lembramos ou falamos a respeito do
que sonhamos.
O conteúdo
do sonho pode variar de pessoa para pessoa, porém, sempre haverá um significado
para cada sonho manifesto. Isso não significa que necessariamente o fato da pessoa
ter sonhado com um animal, por exemplo, uma cobra, deva significar traição ou
erotismo. Cada pessoa terá um sentido próprio para esse animal, logo, traduzir
o sonho de uma forma generalista é cometer um erro grosseiro. As interpretações
de sentido global e de entendimento popular são apenas uma expressão folclórica
do inconsciente coletivo de uma determinada cultura.
Há duas razões básicas para explicar
a existência do sonho: a primeira refere-se ao sonho como uma estrada
verdadeira para encontrarmos com o que há de mais guardado ou “escondido” em
nosso campo mental. Muitos dos nossos conflitos emocionais ou Psicoafetivos são
reprimidos pelo processo inconsciente levando à formação de sintomas
Psicopatogênicos, ou seja, várias Psicopatologias do cotidiano como o
Transtorno da Ansiedade, Síndrome do Pânico, Transtorno Depressivo, fobias
sociais e outros podem, e na maioria das vezes, são de origem psicológica e
estão enraizados na estrutura do inconsciente.
A segunda razão pela qual se sonha explica-se pelo fato de que o sonho
também é um instrumento Psicoterápico e pode ser um caminho para a resolução
dos conflitos acima citados. É evidente que o fato de falar sobre os sonhos não
nos libera diretamente dos problemas de ordem emocional, porém, se torna mais
um recurso de tratamento para esses Transtornos Psíquicos.
Os sonhos
são formados por três categorias: a primeira são as impressões sensoriais
noturnas que estão relacionadas às áreas sensoriais do corpo, como a audição, o
tato e o olfato. A capacidade de ouvir os sons noturnos ou sentir algo sobre a
pele pode levar à elaboração de um sonho específico referente ao que se percebe
durante a noite. A sensação de frio durante um período noturno pode resultar na
formação de sonhos referentes à ambientes hostis e até mesmos gélidos. Essa
categoria normalmente não é capaz de interferir no processo natural do sono
ocasionando o despertar precoce.
A segunda categoria é representada
pelos conteúdos relacionados às atividades da vida diária como o trabalho, as
relações sociais e familiares, às pequenas e grandes frustrações, ou seja,
todas as situações ou objetos que nos causaram preocupação ou foram passíveis
de atenção durante o dia. Essa categoria é vivenciada durante o sonho em
contextos que envolvem sentimentos de angústia ou prazer, esperança ou medo,
orgulho ou humilhação. O exemplo mais clássico dessa categoria é quando a
pessoa vivencia uma situação humilhante ou estressante no trabalho durante o
dia e ao dormir encontra-se fugindo desesperadamente de algum monstro ou animal
feroz. Paralelamente sente que seus membros não lhe obedecem à fuga. Na
realidade tal manifestação onírica pode apresentar inúmeras interpretações, mas
a título de exemplo pode estar relacionada à necessidade do sonhador de “fugir”
ou se evadir da situação causadora de tensão psíquica, no caso, a situação real
de estresse no trabalho.
A terceira e
última categoria denomina-se pelos conteúdos infantis reprimidos. Esses
conteúdos são caracterizados por vivências ou situações que ficaram marcadas na
história de vida do indivíduo e que não conseguem atingir a consciência porque
podem causar desequilíbrio ou excitação mental insuportáveis, dando por
conseqüência possíveis sofrimentos emocionais. A repressão desses conteúdos
infantis é uma forma de defesa do eu com objetivo de preservação do estado
psíquico.
O sonho é
inerente ao ser humano. Sonhamos todos os dias. Algumas pessoas afirmam não
sonharem regularmente. O fato é que elas não conseguem se lembrar do conteúdo
sonhado e isso dá a impressão de que não se sonhou naquela noite. Esse processo
de esquecimento se dá pela razão de que utilizamos mecanismos de resistência
aos conteúdos sonhados. A resistência, inicialmente, também é um mecanismo
psicológico que objetiva preservar nossa estabilidade mente e corpo. Quando essa defesa “falha” permitindo
conteúdos ameaçadores ao aparelho psíquico denominamos de pesadelo ou
tecnicamente de terror noturno. Os pesadelos são definidos por conteúdos do
sonho capazes de desestabilizarem o psiquismo causando medo, pavor e despertar
precoce.
Por fim,
sonhar é mágico e necessário. É preciso sonhar e não ter medo dos sonhos. Eles
nos ajudam a entender um pouco mais o que somos e à que viemos.
Sonhar faz
parte da nossa existência e todo sonho, por mais sem sentido que seja
aparentemente, tem sempre algo a nos contribuir porque sonhar é viver.
André Senna
Psicólogo
CRP- 14/01650-03
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