Pesquisa nacional revela que níveis de zinco e potássio nas células cerebrais estariam ligados à esquizofrenia
Pesquisadores brasileiros conseguiram revelar pela primeira vez que
as células cerebrais vivas de uma pessoa diagnosticada com esquizofrenia
apresentam níveis elevados de dois elementos químicos — potássio e
zinco — que podem ser revertidos com o uso de medicamentos. A descoberta
abre caminho para uma melhor compreensão das causas desta síndrome
mental, assim como para o desenvolvimento de novos tratamentos.
Embora
há algum tempo os cientistas desconfiassem que concentrações anormais
destes e outros elementos, como cobre, selênio e manganês (que em
quantidades muito pequenas são essenciais para o bom funcionamento das
células), estivessem relacionadas ao aparecimento da esquizofrenia, os
estudos anteriores tinham sido feitos apenas em tecidos não neurais,
como sangue, ou em análises das células cerebrais de pacientes mortos,
sem resultados conclusivos.
Estudo inédito com células vivas
Para
contornar estas limitações, os cientistas do Instituto de Ciências
Biomédicas da UFRJ e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino colheram
células da pele de um paciente esquizofrênico e as fizeram regredir ao
estágio de células-tronco por meio de técnicas de reprogramação
genética.
Conhecidas como células-tronco de pluripotência
induzida (IPS, na sigla em inglês), elas foram então induzidas a se
diferenciarem em células cerebrais chamadas progenitoras neurais,
semelhantes às presentes durante a fase de desenvolvimento do cérebro e
do sistema nervoso em embriões. Vivas, estas células passaram por
análises espectroscópicas por raios X no Laboratório Nacional de Luz
Síncrotron, o que permitiu aos pesquisadores medir com precisão as
quantidades dos elementos químicos nelas.
— Havia toda uma
controvérsia na literatura científica sobre a ligação entre as
concentrações destes elementos nas células cerebrais com a
esquizofrenia, com alguns estudos indicando níveis mais altos que os
normais, enquanto outros mostravam mais baixos — conta Stevens Rehen, da
UFRJ e do Instituto D’Or, um dos autores do estudo, recentemente aceito
para publicação no periódico científico “Schizophrenia Research”. — Até
agora, porém, não tinha sido feita nenhuma medição da presença destes
elementos em células equivalentes a neurônios vivos, então usamos a
tecnologia síncrotron e varreduras de alto conteúdo para identificar
todos traços de elementos nelas.
Segundo Rehen, as análises
mostraram que o estresse oxidativo faz com que as células cerebrais
derivadas do paciente esquizofrênico tenham uma quantidade de zinco
cerca de três vezes superior à de uma pessoa comum, trazendo a reboque
uma elevação nos níveis de potássio, já que os canais de troca deste
elemento nas células são controlados pelo zinco.
— Como
consequência disso, a comunicação entre as células fica alterada, o que
pode ajudar a explicar os disparos nos neurônios de uma pessoa com
esquizofrenia que seriam a causa dos sintomas típicos da doença, como
alucinações, depressão e déficit cognitivo — diz Rehen.
Em um
passo seguinte, os pesquisadores procuraram por maneiras de levar os
níveis de zinco e potássio das células cerebrais do paciente
esquizofrênico de volta aos de uma pessoa comum, obtendo sucesso com o
valproato ou ácido valproico, um medicamento já disponível e atualmente
usado para tratamento de epilepsia, desordens bipolares e prevenção de
enxaquecas.
— Isso não quer dizer que encontramos uma cura para a
esquizofrenia, mas sim que descobrimos um mecanismo de alteração nas
células cerebrais de um paciente esquizofrênico que pode ser revertido
com um medicamento — ressalta Rehen, lembrando que o paciente em questão
não responde aos tratamentos com as drogas antipsicóticas padrão para
casos da doença. — Assim, pelo menos no caso deste paciente, ele poderia
se beneficiar de uma terapia que devolvesse os níveis de zinco e
potássio de suas células cerebrais aos comuns, em um exemplo de medicina
personalizada.
Ainda em prosseguimento ao estudo, Rehen e sua
equipe estão desenvolvendo outras linhagens de células cerebrais de
outros pacientes esquizofrênicos para verificar se elas também
apresentam alterações nas concentrações de zinco e potássio e respondem
da mesma forma ao tratamento com valproato.
— Talvez estas
alterações sejam específicas de apenas alguns pacientes esquizofrênicos
que não respondem a outras terapias, mas independentemente do que vamos
encontrar, vamos avançar na compreensão desta doença que afeta
aproximadamente 1% de todas pessoas — diz.
Biobanco para 17 doenças
E
a esquizofrenia é apenas a primeira de uma série de doenças cujos
mecanismos os pesquisadores brasileiros poderão estudar a partir da
geração de células-tronco de pacientes e a indução de sua diferenciação
nos tecidos afetados ou relacionados. Segundo Rehen, o Ministério da
Saúde está organizando junto às instituições de pesquisa a formação de
um biobanco com IPS produzidas a partir de células de pacientes com um
total de 17 desordens e males, abrangendo desde esquizofrenia, autismo,
Parkinson, Alzheimer e síndrome de Down a problemas no coração e
diabetes. O objetivo é que o biobanco esteja totalmente pronto e
funcionando num prazo de dois anos.
— Desde a descoberta de que é
possível fazer células adultas regredirem ao estágio de células-tronco,
elas vêm sendo muito usadas nos países desenvolvidos como plataforma
para estudar diversas doenças e agora já podemos começar a fazer isso
aqui também, retomando investimentos e estudos em áreas que foram
abandonadas pelas grandes indústrias farmacêuticas pela falta ou
lentidão nos resultados — afirma. — Com o biobanco, os pesquisadores
brasileiros poderão trabalhar diretamente com as células do tipo que são
afetadas pelas doenças vindas dos próprios pacientes, o que pode
revelar mecanismos ainda desconhecidos das doenças além de servirem de
base para testes de novos medicamentos e tratamentos.